Vou perdendo películas do meu corpo
em cada dia que passa, um cabelo, um reflexo,
um dente que talvez nem me faca falta
amanha. Mas os dentes nunca partem
sozinhos, levam consigo um certo modo
de olhar para as coisas e então já não sou
quem fui quando antigamente
saltava para as ondas e me divertia
como se fosse um anfíbio louco
nas praias desertas. Deserto
sou agora – deserto e talvez um pouco
mais sábio, um homem que sabe
que o seu corpo foi comido
pela alma. Vou perdendo
nos dentes e nos cabelos

o cerne da madeira bêbeda que parecia
nave de catedral – o que vou ganhando
não sei ainda sabendo agora
que bebo e amo e devoro
os minutos voláteis que preparam
a hora da minha morte.



Casimiro de Brito 

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