Publicado na Revista Ler em 2006


Escreve mais com palavras do que com ideias?Eu acho que é assim que se escreve. Conhece a história do Mallarmé e do Degas? Conta-se (não sei se é lenda mas o John Ford dizia que quando a verdade contraria o mito, que se imprima a lenda) que o Mallarmé terá visitado o Degas no seu atelier e que o Degas lhe disse: oh, caro Mallarmé, tenho ideias fantásticas para poemas; se tivesse o seu talento… E o Mallarmé respondeu-lhe: meu caro Degas, a poesia não se escreve com ideias, é com palavras.
E é assim, também, que faz a sua poesia?É a única maneira de a fazer. Penso eu. Mas, enfim, a regra é não haver regras, como diz o Alexandre O’Neill. A regra é não haver regras senão a de cada um: com a sua rima, o seu ritmo, etc. Eu faço poesia assim e penso que a poesia da minha família, da minha consanguinidade é essa, aquela que é feita com palavras. Aliás, as palavras não são uma mala onde se metam ideias e onde se meta sentido. As palavras fazem sentido por si mesmas. Não são um meio. Provavelmente não são um fim mas o sentido nasce das palavras e elas não são meras malas de transportar sentidos. As ideias nascem das próprias palavras e do carácter misterioso que elas têm. Milagroso, às vezes. De se aproximarem, de se afastarem e de fazerem sentido.

Parte minúscula de uma Entrevista de Carlos Vaz Marques a Manuel António Pina

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