Quando, em meados de 1926, Agatha se refugiou em Asfield, ainda não sabia que não se pode regressar ao paraíso de outrora. Ia à procura do perfume raro de um casamento feliz, essa "produção raríssima" que os pais dela tinham conseguido realizar. Ia à procura da desvanecida imagem desse Mr. Henry James que vinha para o chá e lhe pegava ao colo. Lembrava-se de ouvir a mãe dizer que Mr. James era um snob, porque exigia uma pedra de açúcar partida em dois para o chá, quando um cubo faria o mesmo. A Agatha de 1927 fez-se famosa, sociável e divertida. Passou a escrever com mais calma (três livros por ano, em vez de cinco), inventou uma simpática Miss Marple, sempre pronta a esperar o pior dos outros e o melhor de si mesma. E matou a outra, a Agatha inocente que poderia parecer a esfinge sem segredo de Mr. James. Matou a outra - porém, ao rumor sereno dos jardins, depois do inventário das culpas, os mortos continuam a beber o sangue dos vivos.
Inês Pedrosa, 20 Mulheres para o século XX
Nenhum comentário:
Postar um comentário