Ela comia chocolates com a boca. O sabor escuro dos chocolates, tabletes, potes, quadradinhos, bombons de chocolate negro, branco e cor de chocolate. Ela gostava muito de chocolates. Os chocolates não fazem borbulhas, dizia, os chocolates fazem muitas coisas mas não fazem borbulhas. São o meu vício, o meu único vício. Isso e ir ao cinema.
Ela gostava dele como quem gosta muito de chocolates. O gosto ficava-lhe na boca e o prazer encontrado anseia logo por ser repetido. A rapariga mais alegre que havia estremecia só de pensar nos beijos dele enquanto ia pela avenida a caminho do cinema. Do que ela gostava mesmo era de chocolates e de ir ao cinema, onde ia quase todos os dias, impreterivelmente três vezes por semana. Trabalhava num bar ao fim da tarde e o pequeno ordenado que recebia servia para isso e só para isso: comprar chocolates, ir ao cinema. De resto, era livre para fazer o que lhe apetecesse. No cinema a realidade de coisas cresce espectacularmente, afirmava, tanto que as coisas fora do cinema só têm realidade que os filmes lhes emprestam, não achas? perguntava sem admitir qualquer resposta. São os meus vícios, os meus únicos vícios: comer a realidade com os olhos e sentir o prazer a desfazer-se-me na boca. E agora os teus beijos, malandro.
Pedro Paixão, in Muito, meu amor
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