O inglês dela tinha melhorado e ele também aprendera a língua dela. Nos momentos mais íntimos, esqueciam-se por vezes da língua em que estavam a falar; as duas línguas fundiam-se numa só. À medida que se foram afastando, as suas línguas também se afastaram. Agora, cada um falava a sua língua. Ambos se compreendiam suficientemente bem. Ele sabia que haveria injúrias, e houve. Houve ameaças vãs e acusações de traição. Nada disso o surpreendeu. Olha para mim, dizia ela. Eu sou a encarnação da tua obra. Pegaste na beleza e criaste a hediondez e o teu filho vai nascer desta monstruosidade. Olha para mim. Eu sou a imagem das tuas acções, sou a imagem do teu pseudo-amor, do teu amor destrutivo, egoísta, lascivo. Olha para mim. O teu amor parece-se com o ódio. Eu nunca falei de amor, dizia ela. Eu era honesta e tu transformaste-me numa mentira. Isto não sou eu. Isto não sou eu. Isto és tu.


Salman Rushdie, Shalimar O Palhaço

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