"Dor de cabeça e eu prostrada na cama. Levanto-me e preciso de uma considerável dose de cafeína. Beijas-me, e tu que nem bebes café, sorris. Gosto que me lembres que pertenço a algum lado. Não tens para onde ir e eu só tenho às vezes. O que vai ser de nós? Já ninguém se interessa. A luta está a fazer-se devagar de mais, pergunto-me se alguém ainda luta. Como posso eu pôr isso em causa... logo eu. Mandas currículos, confidencias angústias, cartas de motivação. Mas qual motivação? E agora, vou-me embora? Não. Fizeste uma vida que te impede de sair, é o amor é o cão e este mar. Estás preso aqui. Almoçamos e ouvimos gente na televisão. as notícias deixaram de ser novas. As praxes, a emigração, os mendigos e ligue para este número e habilite-se a ganhar 3 mil euros, o custo da chamada é de 50 cêntimos mais IVA. Esquecemo-nos por instantes e dançamos. É tão bom o quente da casa. A música está aqui, por isso cantemos e brindemos às aventuras vindouras. É assim que se começa, isto vai mudar e ainda vamos ser tão felizes. Havemos de poder ir à praia sem nos preocupar com as portagens dessa ponte. Hoje é o teu aniversário, ignoras o valor das chamadas mas sabe-me tão bem ver-te sorrir. Tenho uma ideia, vamos apanhar o metro e só saímos quando estivermos fartos. Gosto de ver gente, não precisamos de TV, aqui encontramos o que é novo e o que é velho. Encontramos o que é real e ainda nos rimos muito. Ah, nós gostamos disto e gostamos um do outro. Temos tudo, amor."
Rita Camarneiro, in Jornal Metro 17 de Fevereiro de 2014